segunda-feira, 4 de junho de 2007

HUMOR OU RUMOR, SEJA COMO FOR: VIVA!!!

Ao longo dos anos tenho desenvolvido uma percepção muito particular sobre a vida. Viver é um jogo que se joga em duas direções: na primeira, se vive do humor; na segunda, do rumor.
Quão estranho, mas familiar, pode soar essa afirmação. Duas palavras que por uma única letra mudam totalmente de sentido. Peça licença a gramática e escreva cada palavra sem a primeira letra, o que resta: umor. Feito isso, brinque com as letras de cada palavra. Então pense em palavras iniciadas com h ou r.
Quem trilha um caminho pautado no humor se transforma em alguém mais humano, humilde, hilário, honesto, habilidoso, harmônico... Quem anda por outra direção encontra o caminho do rumor e ai vê-se frente a ruínas, rusgas, rebeliões, ressentimentos, repressões, retaliações, revoltas, raivas ...Bem, de que mesmo devo falar? Será que é do humor ou do rumor? Será este um espaço apropriado prá filosofar? Desculpe a viagem, mas falar sobre favela e as coisas que circundam seu universo é ou não falar sobre humor e rumor? Qual dos três personagens que todos temem numa favela? O traficante, o policial ou o fofoqueiro? Não sabem? Prá mim é o fofoqueiro. Explico-me melhor: o fofoqueiro é mais temido, porque de sua boca fatalmente surgirá algo que, dependendo do teor, terminará numa roda de conversa onde todos rirão de sua imaginação fértil, ou então, poderá desaguar num rumor que desestabilizará antigas relações ou mesmo culminar numa fatalidade. Posta essa observação, acho que chego aqui onde queria. Deixemos o rumor de lado e falemos da vida de forma prazerosa. Ser favelado não é um estado de pobreza, visto que pobreza não é o antônimo de riqueza, mas sim o sinônimo de fraqueza. Não nos consideremos pobres, pois se sonhamos e lutamos por nossos sonhos, somos agentes de mudança. Se vivemos e acreditamos que a vida devia ser melhor, faça como o poeta, simplesmente diga: será! Será porque nosso humor traz em sua essência a pólvora necessária para destruir esse indigesto abandono social e financeiro. Sambar, cantar, brincar, amar, sorrir é a forma que encontramos para caçoar sobre os desmazelos desta elite inconseqüente. Somos nós os favelados que mantemos os ricos menos mal-humorados, pois limpamos suas privadas, dirigimos seus carrões, lavamos e cozinhamos pra eles, tudo isso por míseros 150 reais. E se a elite branca e "macha" faz rumor sobre nosso cotidiano, ensinemos a eles que o certo não é o que eles pensam sobre nós, mas o que eles não sabem sobre o porquê de vivermos felizes apesar deles. Com humor, nós favelados construiremos o amor e paz. Com rumor a elite continuará fazendo passeatas em orlas marítimas cada vez que um de seus filhos for seqüestrado ou assassinado.

Caio Ferraz Sociólogo, Fundador da Casa da Paz de Vigário Geral. Exilado desde 1995 nos EUA. Flórida, 8 de Janeiro de 2001

IMPUNIDADE

O cenário de criminalidade e violência que prevalece em vários pontos do Brasil tem origens diversas. A primeira delas é uma estrutura social extremamente desigual que joga milhões de excluídos em hábitats urbanos inadequados. No entanto, após o déficit social, talvez uma das causas mais importantes seja o quadro de impunidade. Impunidade é a incapacidade de um sistema social para punir os desvios sociais previamente tipificados. Em palavras mais simples, ela pode se resumir na impossibilidade de aplicar a lei para sancionar os culpados, de forma a inibir a repetição desses comportamentos. A impunidade no Brasil é como uma hidra de múltiplos tentáculos. Alguns deles são curtos e aparentemente inócuos, como as anistias periódicas para multas de trânsito que deixam aqueles que já as pagaram com a sensação de ter jogado fora seu dinheiro. Outros são mais compridos, como os desembargadores que mandam prender um guarda municipal por ter multado o carro do filho como se fosse o carro de um cidadão qualquer. Outros tentáculos, ainda, são de longo alcance, como os criminosos que escapam tranqüilamente das cadeias após comprar sua liberdade, as redes do crime organizado com cabeças conhecidas que raramente acabam atrás das grades ou as pessoas de duvidosa reputação que se candidatam a cargos públicos justamente para ganhar imunidade. Há, todavia, raízes mais longínquas, como o pacto implícito cristalizado na anistia que impede de fato não apenas punir, mas também investigar as violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura militar. Nada exemplifica melhor a impotência na aplicação da lei do que a noção de "leis que pegam" e "leis que não pegam", como se o arcabouço legal no Brasil fosse um cardápio do qual fosse possível escolher o que mais convém. As poucas pesquisas que existem sobre o tema mostram que nossa taxa de esclarecimento de crimes é muito baixa, mesmo para os crimes mais graves. Inclusive crimes de grande repercussão acabam sem punição ou condenando apenas o acusado mais notório. Uma polícia sobrecarregada e deficientemente treinada e remunerada, uma justiça morosa e atrelada a procedimentos extremamente lentos e burocráticos, e a incapacidade do estado para proteger o alto número de testemunhas ameaçadas não contribuem para melhorar essas taxas. Muitos crimes extinguem sua punibilidade pela simples prescrição e não raro os advogados usam os recursos processuais para garantir que o prazo de prescrição chegue antes do que a data do julgamento dos seus clientes. Assim, muitas acusações nunca são esclarecidas, apenas esquecidas, em ocasiões após processos que consumiram anos e inúmeros recursos do sistema de justiça criminal em vão. Os advogados não podem ser culpados porque não fazem outra coisa que cumprir sua obrigação de defender o cliente da maneira mais favorável; é preciso mudar a lei processual e acelerar o funcionamento da justiça. Paralelamente à leniência com muitos criminosos, o estado brasileiro comete numerosas violações -torturas, execuções sumárias e condições desumanas de confinamento- contra a minoria dos casos que acaba sendo condenada pelo sistema de justiça criminal, especialmente contra os menos favorecidos. Como um pai que agisse de forma colérica e brutal com alguns dos seus filhos, em alguns momentos, e fosse completamente omisso com os demais a maior parte do tempo. A impunidade é como um câncer que se instala no corpo social e vai avançando pouco a pouco. As vítimas dos crimes passam a não denunciar porque não acreditam que a denúncia vá trazer nada além de colocar elas num risco ainda maior. Poucas situações são mais tristes do que ouvir da família de um assassinado que é melhor "não mexer com o que aconteceu" para não piorar as coisas. Os autores dos crimes aprendem rápido que podem repeti-los porque a probabilidade de ser condenados é pequena. Deixam, inclusive, marcas dos seus feitos ou se gabam deles, na certeza de que nada lhes acontecerá. A descrença no sistema de justiça criminal desmobiliza a sociedade, inclusive os próprios membros do aparelho de justiça criminal, estimula o medo e o silêncio, e provoca um apoio crescente às ações ilegais e àqueles que decidem tomar a justiça nas próprias mãos. Para tentar curar esse câncer é preciso se submeter a uma quimioterapia que consiga, entre outras coisas, fortalecer o Ministério Público e o seu trabalho conjunto com a polícia, proteger as testemunhas numa escala muito superior à atual e investir na polícia técnica para poder conseguir provas. Mas não basta a participação do sistema de justiça criminal. É necessário também que haja uma vontade política de aceitar os custos da luta contra o crime organizado e uma mobilização social para, por exemplo, não eleger candidatos identificados com a corrupção.

Ignacio Cano

Nada mudou.

Quem não aprendeu, em Michelet ou Ginzburg, o que era o sabá, pode agora saber lendo as notícias sobre as últimas perversões descobertas nos bailes funk. Sintetizemos os movimentos dessa nova iniciativa para criminalizar o lazer da juventude pobre e negra.
1º movimento. Um jornal, O DIA, publica declarações do secretário municipal de saúde acerca da possível gravidez de jovens frequentadoras de bailes funk, causada por uma dança coletiva, do tipo “trenzinho”, durante a qual algumas moças manteriam conjunção carnal com diversos rapazes. Uma assessora confirmou ter recebido tal versão de uma dessas moças – que certamente jamais imaginou o sucesso que sua narrativa, eventualmente orientada a dissimular uma paternidade que ela deseja encobrir de sua família, faria.
2º movimento. Autoridades do sistema penal se manifestam sobre o fato: as reuniões festivas funk ganham coloraturas orgíacas. Todo o arsenal criminalizante do código penal de 1940 – que, para este fim, já não parece ultrapassado – é percorrido por operadores do sistema penal.
3º movimento. Um juiz expede os mandados necessários para que a polícia trate de intervir nos bailes e impor entre os alegres vagões do “trenzinho” uma distância compatível com os elevados padrões morais de nossa sociedade. As diligências não conseguem comprovar a hipótese inicial, mas descobrem dois ou três adolescentes ingerindo bebida alcoólica, que é o quanto basta.
Eis tudo. O assunto certamente desaparecerá da imprensa. O que podemos aprender com isso?
Pode perfeitamente ter ocorrido que alguma(s) adolescente(s) tenha(m) se engravidado em bailes funk. Será uma novidade? Quantas moças brancas de classe média não se engravidaram em boates e discotecas? Ocorre que o secretário de saúde só dispõe de poderes para intervir e pronunciar-se sobre a gravidez das meninas pobres, que a relatarão em postos de saúde municipal, e não em clínicas de Botafogo. Admitamos que o secretário tenha de boa fé acreditado na versão que tornou pública, certamente com autorização de sua(s) cliente(s), cuja identidade preservada se revelaria na originalidade do caso, pelo menos nos limites da vizinhança. Sua iniciativa teve como resultado visível alavancar repressão penal sobre todos os participantes de todos os bailes funk. E aí aprendemos que, na prática, a saúde e o lazer dos pobres continuam sendo em nossa cidade um caso de polícia.

Não tenho nenhuma simpatia pelo gênero musical alienante tipo “Tigrão” e correlatos, como tenho pelos Racionais e tinha pelo MV Bill até vê-lo, muito constrangido, em frente às câmeras, purgando-se na cerimônia de martelar umas velhas armas. No Rio de Janeiro, o lazer dos pobres sempre foi criminalizado, desde os tempos do Vidigal, e a saúde pública constituiu historicamente um grande pretexto para remoções e vigilância, dando surgimento às metáforas da “insalubridade social”. Parece que nada mudou.

Nilo Batista Advogado & Ex-governador do Estado do Rio de Janeiro

A segurança das favelas e o pavor da classe média.

A foto é assustadora: sete rapazes musculosos e carecas em posição de combate, bermuda larga e chinelos, negros-escurecidos pela sombra da foto contra a luz que só revela os contornos, Pão de Açúcar ao fundo, e suas próprias sombras enormes, fantasmas refletidos no chão: “A segurança que vem da favela”, manchete da página, só pode ser uma ameaça.
Foi assim que O Globo, jornal de classe média para a classe média, noticiou, num domingo, 11 de março, a providência que a classe média estava tomando para se prevenir contra assaltos e outras surpresas, contratando a segurança de jovens das favelas próximas. Moradores de bairros nobres da zona sul da cidade recorrendo aos serviços irregulares de favelados. A antropóloga Alba Zaluar não deixa por menos: “com essa proposta de segurança, o tráfico garantiria os moradores do morro e do asfalto. A proposta é tomar o Estado dentro do próprio Estado. Eles são mais sutis que os mafiosos”.
A associação é imediata: morador do morro, portanto traficante. O jornal garante que todos os “seguranças” têm ficha limpa. Adianta pedir desculpas?
No dia seguinte, a repercussão: “Segurança sob investigação”. O coronel Lenine de Freitas, subsecretário operacional de Segurança Pública, está atento: vai abrir inquérito para investigar o serviço feito por moradores de favelas e, “assim que leu a reportagem”, ordenou maior patrulhamento nas áreas informadas - Copacabana, Gávea e Tijuca.
Mais um dia e o resultado na foto de capa: “O segurança Rogério Fidélis é preso: ele estava patrulhando ilegalmente uma rua a cerca de 200 metros do quartel do 23º BPM”. Dupla vitória: eliminação dos “favelados clandestinos”, acusação de incompetência da polícia.
Mas não é a incompetência da polícia que leva a recorrer aos “favelados clandestinos”?
Rogério Fidélis havia de conhecer garotos que circulavam pelas redondezas. Podia ser um “tio” a dissuadi-los de qualquer má intenção. Foi preso, como tantos outros naquele dia.
E a classe média continua apavorada.

Sylvia Moretzsohn Jornalista e Professora de jornalismo na UFF.

REVOLUÇÃO

Agradecimentos a toda putada real portuguesa e européia em geral pelo estrago que fizeram ao longo dos séculos no berço da humanidade - África e seus descendentes.

Thank you very much USA, por patrocinar a exploração, a inflação, a fome e a miséria do nosso povo.

BRASIL 1994

São Paulo à tarde, uma criança negra, suja, aparentemente doente, caminha devagar até o farol. Pede um dinheiro a um cara branco num Diplomata preto. Ele dá uma merreca e sai todo orgulhoso, se achando o cara. No segundo farol, um moleque negro, 17 anos aproximadamente, atravessa entre os carros. O cara do Opala saca uma pistola automática no console do carro com os olhos arregalados. Ele tem medo, fecha o vidro do carro. O Brasil é isso.

Negro bom é aquele que não oferece perigo. Sem instrução, sem estrutura de família, sem ambição. Homem negro seja um bom cidadão. Acorde às 6h, pegue o ônibus às 7h, entre no trabalho às 8h, almoce às 12h, vá embora às 18h. Ganhe mais ou menos US$70 por mês. Depois de muita correria, cale a boca e vá dormir que amanhã cedo é dia de “branco” - isso se você for um privilegiado que ainda tem um emprego e trabalha de carteira assinada e tudo, numa dessas multimilionárias empresas estrangeiras. Não exija muito. Seu pai não exigiu, seu avô também não, seu bisavô muito menos. Ele era escravo. O bisavô do seu patrão também era patrão.

Hereditariamente, ano a ano, tudo no devido lugar, tudo pela branca ordem, explorados e exploradores. Tudo na mais perfeita ordem e progresso. O povo africano foi trazido seqüestrado para o Brasil numa época em que o continente africano estava em ascensão, para ser utilizado como animal doméstico, sem direito a opinião própria, religião e, pasmem senhoras e senhores católicos, sem direito a comer, com exceção dos restos. Não é de agora que o Brasil tem cadeira cativa entre os hipócritas e mentirosos.

Catolicismo hipócrita que até nos dias de hoje ilude nosso povo com as promessas de vida melhor após a morte, enquanto eu assisto meu povo morrer mais cedo por maus tratos e desilusões. Igreja hipócrita que deu a sentença de morte cerebral e física lenta e dolorosa ao povo negro, aceitando naturalmente um dos piores momentos da História em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Amém.

Hoje, o sistema tenta tapar o sol com a peneira fazendo uma COHAB aqui, outra ali - sempre bem longe do centro, é claro.

Muitas pessoas insistem em perguntar porque os afro-americanos conseguiram espaços em tantos setores da sociedade americana e os brasileiros não conseguiram muita coisa, além de Pelé e ... Não sabemos com quem lutar, todos dizem que são nossos amigos. Nos Estados Unidos a arma é apontada pela frente, os brancos de lá são menos covardes. No Brasil, a arma é apontada pelas costas. A segunda posição é mais cômoda pra quem segura a arma e torna a defesa mais difícil para quem é o alvo. Um exemplo simples:

Ku Klux Klan - organização de extrema direita branca que agia no sul dos Estados Unidos atacando pessoas negras declaradamente;

Grupos de Extermínio - os “pé-de-pato”, como são conhecidos aqui na zona sul de São Paulo. Agem em São Paulo e Rio de Janeiro, matando mais que a KKK e o FBI juntos. Só que não é divulgado que a cada dez mortos, sete são negros;

Justiceiros - grupos de extrema direita, formado por pessoas brancas, negras, pardas, policias, bandidos, comerciantes ...

Eu cresci assistindo televisão pelo menos oito horas por dia e sempre tinha aqueles galãs fabricados dizendo “compre isso, compre aquilo, alugue aquilo outro”. Meu povo quando foi abolido por lei não recebeu nada como pagamento, nem indenização, nem terra pra plantar, nem liberdade de escolha. O Brasil é um país capitalista onde as pessoas valem o que têm - propriedades. Meu povo foi roubado e deserdado, não tem propriedade. É FODA! O povo que trabalha na terra não tem terra pra plantar e construir suas casas. Ninguém se responsabiliza, todos tiram o cu da reta.

Meu povo está se recuperando devagar de um nocaute na nuca, sem herança, sem nenhum alqueire e nenhuma mula. Sem apartamentos em Moema, restaurantes na Bela Vista ou lojas nos shopping centers. Sem direito a moradia e escola dignas. Mas está se recuperando sem a ajuda de ninguém. Por enquanto, estamos convencendo nossas crianças que elas não precisam ter longos cabelos louros e olhos azuis pra serem grandes homens e mulheres. Não precisam usar calças da Zoomp ou M. Officer ou andar com braço pra fora nos, Tempras e Ômegas. FODA-SE TUDO ISSO. Sem mais, Mano Brown. Capão Redondo (SP), favela. Cada um com seus problemas - Poder para o povo preto - Revolução.

Mano Brown, 24 anos, principal letrista e líder dos Racionais MC’s

EVANGÉLICOS PROMOVEM AÇÃO SOCIAL

Com vinte anos de ministério, o pastor da Igreja Batista no Leme, Macéias Nunes, sempre esteve à frente dos problemas de sua comunidade. No ano de 1985 começou a pregar na Primeira Igreja Batista, localizada no Morro dos Prazeres no bairro de Santa Teresa, para duzentos e cinqüenta fiéis . Em 1992, seus trabalhos eram realizados na Associação Evangélica do Jacarezinho, onde publicava o jornal comunitário “Contexto Cristão”. Também interagia com vinte igrejas locais distribuindo donativos. Na ocasião chegou a organizar mutirões com médicos, dentistas, nutricionistas e psicólogos, atendendo cerca de seiscentas pessoas carentes. Há quatro anos lançou o livro “Favela Violenta” pela Editora JUERP, que aborda a violência policial e a gerada pelo tráfico de drogas. Segundo o pastor, “as crônicas mostram as relações entre as pessoas da comunidade diante da violência”, explicou.

Hoje, a obra evangélica e social que desenvolve encontra-se muito mais solidificada, uma prova disso é a criação da Dignatá, com previsão de inauguração para fevereiro. Trata-se de uma ONG voltada para execução e administração de vários projetos governamentais e filantrópicos que existem no Morro do Leme: Creche comunitária prestando atendimento a quarenta crianças de 02 a 04 anos (em período integral), - onde os funcionários são da comunidade e recebem salário. Distribuição do “Cheque Cidadão” para 100 famílias que ganham um cheque alimentação no valor de R$100. Balcão de empregos e atendimento jurídico oferecidos pelo Viva Rio, além do “Telecurso” para conclusão do primeiro e segundo grau . As instalações da Igreja são usadas para realização de um curso pré-vestibular gratuito, no qual os professores são voluntários provenientes de universidades como, PUC e UFRJ.
A Igreja Batista do Leme fica situada na Ladeira Ary Barroso n° 17 – Morro do Leme. Voluntários devem entrar em contato pelo telefone: (xx21) 275-6926 falar com setor de coordenação.
Daniel Pina - (daniel@anf.org.br)

SURFISTA BALEADO NO SANTA MARTA AGUARDA JULGAMENTO HÁ MAIS DE 3 ANOS


Baleado em uma operação policial na Favela Santa Marta, em agosto de 1997, Wagner Marcos da Silva, hoje com 29 anos, aguarda julgamento da 1a Vara Criminal.
De acordo com o registro de ocorrência da 10a DP, Wagner foi surpreendido por policiais do 2o Batalhão numa localidade conhecida como Beco da Lua, na companhia de outros dois elementos que fugiram. Todos estariam armados e com drogas. Durante a troca de tiros, Wagner Silva foi atingido no abdômen e na cabeça por disparos efetuados pelo tenente Diniz. Como seqüelas, Wagner hoje caminha com auxílio de muletas e tem problema na fala.
Porém segundo versão apresentada pelo menor P.R.R, Wagner foi covardemente atingido. “Meu amigo estava indo para o trabalho. Parou para me cumprimentar e depois saiu correndo. De repente foi surpreendido pela PM que não hesitou em atirar”.
Uma das testemunhas, que não quis se identificar, contou que o tenente disparou três tiros numa vala e depois colocou a arma na mão dele. Em seguida, os policiais enrolaram seu corpo num lençol e arrastaram escadaria abaixo, o que causou diversos traumatismos como a perda dos seus dentes e da fala.
A via-crúcis da vítima continuou, foi internado no Hospital Miguel Couto, depois no Frei Caneca e finalmente no Hospital Penal Hamilton Augustinho Vieira, em Bangu, uma corrida que durou 2 anos, quando finalmente seu advogado conseguiu que o Juiz permitisse que Wagner respondesse o processo em liberdade.
A Anistia Internacional entrou no caso. O walkman que Wagner usava ficou caído no local, fato que causou estranheza à Anistia, que sabe não ser condizente a um soldado do tráfico distrair-se enquanto está em “atividade”.
O julgamento foi adiado por duas vezes porque o Ministério Público aguardava o exame de insanidade mental de Wagner. De posse do resultado que comprovou sua capacidade de responder ao processo, o caso foi enviado para a 1a Vara Criminal, onde será julgado por um júri popular.
O advogado de Wagner, o criminalista Nilo Batista, afirmou em entrevista à BBC de Londres: “não é incomum a polícia forjar situações como esta e colocar a arma na mão da vítima; desta forma após a ocorrência são premiados por bravura com aumento do soldo”( referindo-se a gratificação por bravura, que era dada a policiais pelo governo, por ocasião do fato). Para a irmã da vitima, Valéria Silva, o importante é que este processo tenha uma resolução rápida, para que minimize o sofrimento causado que já duram mais de 3 anos.
Daniel Pina - (daniel@anf.org.br)

CDI-COMITÊ PARA DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMÁTICA JÁ CAPACITA SESSENTA MIL ALUNOS!

Os números impressionam. Sessenta mil alunos estudando em duzentos e oito escolas, distribuídas em trinta cidades brasileiras, além de estar presente no Japão, México, Uruguai e Colômbia. Criado há cinco anos, à partir de um sonho de Rodrigo Baggio, o Comitê para Democratização da Informática, uma organização não-governamental, foi projetada para informatizar e treinar comunidades carentes.
A idéia surgiu em 1993, através de um BBS (boletim on-line) chamado “Jovem Link” que foi criado com o objetivo de promover debates entre, jovens moradores dos morros e favelas com os jovens do "asfalto" do Rio de Janeiro. Contudo, um problema foi detectado: A maior parte dos usuários eram de pessoas com alto poder aquisitivo.
Aparece então o maior desafio: O de fornecer tecnologia às comunidades de baixa renda. Assim, através da realização da campanha “Informática para Todos”, os usuários da “Jovem Link” doaram equipamentos.

Em junho de 1994, através de um estudo de impacto sobre a campanha e o BBS, verificou-se que os computadores disponibilizados não possuíam manutenção, quando quebravam ficavam inutilizados. Nasceu então a idéia de se abrir Escolas de Informática e Cidadania (EIC). A primeira foi inaugurada na favela Santa Marta, em março de 1995.

Nelas aprende-se noções básicas de informática, Windows, Word, Excell, Access, Powerpoint, Internet e manutenção de computadores. Também aborda discussões envolvendo temas como os direitos humanos, sexualidade, não-violência, ecologia e saúde. As comunidades ou ONG`s interessadas em abrir uma EIC, passam pelas seguintes etapas: Devem entrar em contato com o CDI, que solicitará um projeto onde deverá constar seu histórico detalhado. Nessa etapa será avaliada a importância da entidade, para a comunidade onde atua.

Na próxima fase, a entidade recebe uma visita dos técnicos do CDI que irão verificar as instalações, colher informações do local e conhecer os coordenadores da escola. Três integrantes da entidade são indicados para serem capacitados, dois educadores e um para manutenção dos equipamentos. Através dessas pessoas o conhecimento técnico será transmitido para as comunidades de origem. Sendo tudo aprovado, são cedidos 5 computadores e permanente assessoria técnica.

As escolas são auto-sustentáveis, cobrando uma mensalidade média de R$10. Também podem ser financiadas por empresas que investem em marketing social. Até crianças em situação de rua, jovens com deficiência visual e comunidades indígenas foram beneficiadas.


O grande trabalho social do CDI não para de crescer. Atualmente um grupo de trabalho chamado (GT-Web) desenvolve um trabalho de capacitação de jovens na área de desenvolvimento de web-sites, criação e análise estratégica de banco de dados, programação em HTML e utilização de ferramentas profissionais como Photoshop, Dreamweaver e Home-Site.

Em janeiro de 1999, foi criada uma EIC na Penitenciária Lemos de Brito; em maio de 2000 foi a vez do Instituto Philippe Pinel, que presta serviço psiquiátrico. O programa é pioneiro na América Latina e tem o objetivo de reintegrar os pacientes à sociedade através da informática.
Os interessados em conhecer melhor o trabalho do CDI devem clicar no atalho para o site, que está no link parceiros, na página da ANF.

Daniel Pina - (daniel@anf.org.br)

JOVEM DE 14 ANOS É O PRIMEIRO FAIXA PRETA DE TAEKWONDO DAS FAVELAS DO RIO!

“Meu professor via que eu treinava com vontade.”

No dia 10 de março, Leandro Brito Ribeiro recebeu a faixa preta de Taekwondo das mãos de mestre Kim, presidente da Confederação Brasileira de Taekwondo e um dos introdutores dessa arte marcial no Brasil. Morador do morro Santa Marta, em Botafogo, Leandro tinha motivos extras para comemorar. Superando diversas dificuldades, ele se tornou o primeiro faixa preta de Taekwondo das favelas cariocas – e com apenas 14 anos de idade.
Leandro começou a treinar artes marciais em 1996, quando tinha dez anos. “Eu ficava muito solto”, diz o rapaz, “e meu pai achou melhor que eu tivesse alguma coisa para ocupar o meu tempo e conseguiu uma bolsa de estudos com o mestre Kim.” Leandro ia para a escola de manhã e praticava Taekwondo à tarde.
Foram três meses na faixa branca, a dos iniciantes. Logo passou para a amarela. Como Leandro explica esse progresso rápido? “Gostei muito dos colegas e meu professor, Raimundo Renato, via que eu treinava com vontade.”
O passo seguinte foi a participação nos campeonatos. Em quatro anos, competiu em nove torneios. Ganhou cinco e foi vice-colocado em dois. Entre seus títulos, está o de campeão carioca.
No entanto, a falta de patrocínio para o esporte amador prejudica o rapaz. Nos torneios disputados no Rio de Janeiro, Leandro conta com o apoio da família para pagar as taxas de inscrição. Para competir em outras cidades, o custo é mais alto: “Não tenho dinheiro para viajar e pagar hotel. Por isso fiquei de fora do campeonato brasileiro, que foi disputado em Londrina.”
As dificuldades não impediram Leandro de conquistar seus títulos e receber a faixa preta. O rapaz pretende seguir adiante no Taekwondo: “Quero cada vez mais melhorar.” Para isso, ele procura apoio de alguma empresa ou instituição que patrocine jovens atletas. Os interessados podem entrar em contato pelo telefone 9718-0075.

FAVELA, UM BAIRRO?

A favela, expressão da exclusão social, surgiu na cidade do Rio de Janeiro no início do século, como resultado da reforma urbana e higienista de Pereira Passos para a modernização da cidade. A necessidade da abertura de vias e construção de novas edificações que pudessem elevar a cidade à mesma categoria de cidades européias, resultaram na demolição dos cortiços do centro do Rio, e a conseqüente expulsão dos seus moradores.
Adriana Montefusco Moreira
março de 2002


A favela, expressão da exclusão social, surgiu na cidade do Rio de Janeiro no início do século, como resultado da reforma urbana e higienista de Pereira Passos para a modernização da cidade. A necessidade da abertura de vias e construção de novas edificações que pudessem elevar a cidade à mesma categoria de cidades européias, resultaram na demolição dos cortiços do centro do Rio, e a conseqüente expulsão dos seus moradores. Estes, sem ter condições de suportar o alto valor dos aluguéis das novas habitações, passaram a ocupar barracões e casebres nas encostas dos morros, a exemplo dos soldados que retornaram da guerra de Canudos em 1897 e acamparam nas proximidades do ministério da guerra, na base do Morro da Providência.

Assim, ao mesmo tempo em que uma parte da cidade se modernizava, a outra era excluída desse processo, transformando-se na própria negação dessa modernização e higienização. O Rio de Janeiro moderno, das grandes avenidas, dos arranha-céus, da praia de Copacabana e de Ipanema, nasceu ao mesmo tempo que o Rio das Favelas, dos becos e vielas, dos barracos e das escolas de samba.

Nesses mais de cem anos de existência, as favelas não só aumentaram assustadoramente em número e tamanho, como sofreram inúmeras transformações. Praticamente já não existem mais os barracos de madeira com telhado de zinco, que durante décadas foram o símbolo do morro carioca exaustivamente cantados nos sambas. Esses barracos deram lugar às casas de alvenaria e às lajes de concreto. Essas lajes possibilitaram o crescimento vertical das habitações que hoje chegam a atingir em algumas favelas até 5 andares, e acabaram se transformando na tipologia mais característica da arquitetura popular do Rio de Janeiro. Obras de infra-estrutura, realizadas em algumas comunidades melhoraram de certa forma, as condições de acessibilidade e mobilidade, mas na maioria das favelas o esgoto continua a correr a céu aberto, as águas das chuvas continuam a ameaçar as casas e o despejo de lixo nas encostas ainda indica a falta de condições mínimas de habitabilidade e higiene.

Houve ainda, uma grande transformação nas relações sociais e políticas dessas comunidades, transformação esta, provocada pela substituição das lideranças comunitárias, as quais representavam os moradores junto ao poder público, por grupos paraestatais. A desarticulação e despolitização das associações de moradores, decorrente das ações violentas no período da ditadura militar, criou um vácuo na representatividade e liderança dos favelados, rompendo o elo que estas representavam entre a ação do poder público e as necessidades dos moradores. É nesse vácuo que pouco a pouco o “poder paralelo” foi se instalando, em um primeiro momento, até meados da década de oitenta, representados pelo jogo do bicho, e posteriormente substituído pelo narcotráfico que acabou por transformar as favelas em verdadeiros territórios de guerra.

O samba, símbolo máximo da cultura produzida pelo morro, foi perdendo espaço para o funk, o novo ritmo das favelas, que nasceu como representação do poder dos “comandos” do narcotráfico e reproduz nos bailes funk, patrocinados pelos próprios traficantes, a mesma simbologia da luta pelo território travada entre os membros das várias facções do chamado crime organizado. Em função dessa guerra travada entre os traficantes, o fantasma da remoção embora aparentemente afastado, vez por outra ainda se manifesta como solução para a violência na cidade, como no editorial do Jornal do Brasil do dia 15 de novembro de 2000, apenas dois anos atrás:

“(...) A violência urbana, por exemplo, cresce à medida que crescem as favelas, que há muito tempo deixaram de ser um componente romântico na paisagem carioca, refletido de modo lírico na música popular: passaram a ser domínio dos traficantes. Nas favelas se concentram as quadrilhas orientadas pelos chefões do tráfico, que descem para assaltar, roubar, apavorar a população e matar. (...) Há exigências fundamentais das quais não é possível abrir mão - e um bom exemplo seria lembrar as remoções efetuadas por Carlos Lacerda ao tempo de seu governo no Estado da Guanabara. (...) pois a favela (da Catacumba) foi removida, seus habitantes ganharam casas na Cidade de Deus, em Jacarepaguá, e naquele ponto da Lagoa nunca mais brotou um único barraco. Catacumba é hoje um parque cultural e de lazer. Parece um tipo de solução ideal: melhor para os favelados (...), melhor para o ponto de onde os barracos saíram, melhor para a cidade toda.”

Os chamados “comandos” do tráfico ocuparam o espaço vago deixado pelo Estado e agem da mesma forma repressora que o mesmo, mas mantém uma relação de interdependência com a comunidade que tende a se perpetuar enquanto não houver uma ação para a inclusão dessa população em uma cidade mais democrática. No entanto, a exclusão social vem aumentando em proporções alarmantes. Com isso, as favelas não apenas se multiplicaram, mas também cresceram em tamanho e densidade. Enquanto a população total do município cresceu 1,29% entre 1991 e 1996, a população favelada cresceu 7,93%[i], o que nos mostra que uma parte da população que se encontrava inserida na cidade formal, passou a ocupar áreas ilegais.

As políticas públicas adotadas desde o surgimento dessas comunidades, variaram muito de caráter, ora se caracterizando pela intervenção assistencialista, ora pela remoção violenta. No entanto, com relação a sua escala de atuação pode ser destacado, no caso da política de remoção, o Programa Remocionista adotado entre 1964 e 1986, que acabou por remover 139.218 pessoas de um total de 26.193 barracos, em 80 favelas da cidade[ii]. Já no caso da política de intervenção, destaca-se o programa Favela-Bairro, um programa de urbanização de favelas criado em 1993, que vem sendo reconhecido como “um programa de largo alcance social ao apresentar soluções inovadoras e corajosas para a democratização da cidade”[iii], e até o início de 2002, segundo dados da SMH, havia contratado projetos para 119 favelas, das quais cerca de 39 já tiveram as obras iniciadas.

O Favela-Bairro foi criado à partir da política habitacional instituída na cidade do Rio de Janeiro em 1993. Essa política tinha como base as diretrizes estabelecidas pelo Plano Diretor Decenal da Cidade, sancionado em 1992. Entre elas destacam-se: a necessidade de urbanização e regularização fundiária das favelas e sua integração aos bairros, e a inclusão das favelas nos mapas e cadastros da cidade. À partir dessas diretrizes foi criada uma política habitacional cujos conceitos básicos eram: “a ampliação do acesso à cidade para todos os cariocas”[iv], entendendo como acesso á cidade, condições básicas de saneamento, transportes, serviços e equipamentos, necessários ao “desempenho de uma vida digna”[v]; e a integração da cidade do Rio de Janeiro, entendendo como integração “levar à cidade informal as mesmas matérias e elementos urbanos que circulam pela cidade formal”[vi].

Desta forma nasceu o Favela-Bairro, um programa destinado a urbanização de favelas de médio porte, que possuem de 500 a 2500 domicílios e representam cerca de 60% da população favelada da cidade. A proposta do Programa é transformar favela - espaço informal, resultado da exclusão de uma parcela da população - em bairro, através da intervenção urbana, promovendo então a integração da favela com a cidade formal, ou seja, trazendo elementos da cidade formal para dentro da favela, e obtendo desta forma a pretendida integração, através de uma identificação formal.

A questão que aqui se coloca é: a intervenção urbana, e a inserção de elementos da cidade formal na favela é suficiente para integrá-la à cidade formal, ou mesmo transformá-la em bairro, como ambiciona o programa Favela-Bairro? Será que o melhor caminho para uma melhoria das condições urbanas das favelas é a simples inserção de elementos da cidade formal no seu espaço, espaço este, configurado de uma forma completamente distinta da cidade formal?

Através de indicadores sociais pode-se considerar que algumas das principais questões que diferenciam um bairro formal de uma favela, além da questão da ilegalidade seja ela fundiária ou edilícia, são: a falta de infra-estrutura urbana e serviços essenciais, o baixo valor da renda da população, a alta taxa de desemprego, o alto índice de analfabetismo e o baixo grau de escolaridade. No entanto, para que se possa entender melhor as características das favelas e suas diferenças em relação à cidade formal, além dos índices socioeconômicos deve-se levar em consideração as relações sociais existentes dentro dessas comunidades, seus símbolos e seu dinamismo, bem como a sua relação com a cidade formal.

Sabe-se que as favelas são, atualmente, territórios em constante conflito entre traficantes de facções rivais e destes com a polícia, e que a população favelada, sem ter como se defender, fica vulnerável às vontades e ações desses vários exércitos, que dominam e impõem a sua própria lei aos moradores, os quais não tem outra saída a não ser aprender a conviver e respeitar as regras a eles impostas, uma vez que diferentemente de qualquer morador da cidade formal, não tem nenhum acesso a segurança e a polícia. Essa última vê em todos os moradores da favela um bandido em potencial, dando o mesmo tratamento a todos: a intimidação e a repressão violenta.

Entretanto, na realidade a favela é muito mais do que a aparente violência e precariedade, ela é composta, em sua grande maioria, por pessoas comuns, trabalhadores que buscam uma situação financeira melhor, uma casa melhor, uma educação melhor, enfim uma vida melhor, e quem sabe um dia até sair dali. A favela é, para os seu moradores, o único lugar possível, já que não teriam condições econômicas de morar na cidade formal.

Observando-se ainda, a relação da cidade formal para com a favela, tem-se que a cidade formal tem uma visão da favela recheada de preconceitos e simbologias, como local negativo, repleto de vícios e perigos, um outro mundo onde há a presença de elementos incomuns à cidade formal: a presença ostensiva dos traficantes armados, as ruas labirínticas, sem organização aparente, as casas de tijolo aparente, sem qualquer tipo de revestimento. Esse elementos incomuns remetem, em uma primeira análise, à violência, à falta de ordem e de urbanidade, a uma vida quase que rural, à falta de condições higiênicas e de moradia digna.

Diante desse quadro, a integração da favela com a cidade formal só é possível através de um audacioso e abrangente programa multidisciplinar, no qual estejam previstas ações que possam minimizar as deficiências nas questões urbanísticas, implantação e melhoria de infra-estrutura, equipamentos, transporte e habitação; nas questões econômicas, emprego, trabalho, qualificação profissional, salário e renda; nas questões sócio-culturais, educação, cultura, lazer, justiça, saúde, segurança, e muitas outras necessárias, sem o que, qualquer tipo de intervenção será pontual, contribuindo para uma melhoria na qualidade de vida, mas sem a pretensão da integração.

O programa Favela-Bairro tem como objetivos principais[vii] a transformação das favelas em bairros populares, e integração urbanística entre a cidade formal e as favelas e como conseqüência a integração social e o resgate da cidadania da população desfavorecida. Para tanto, apresenta ações que podem ser divididas em dois grupos, a intervenção urbana e as ações de caráter social. A intervenção urbana tem por finalidade “Introduzir nas favelas valores urbanísticos da cidade formal, como ruas, praças, infra-estrutura e serviços públicos, possibilitando a leitura da favela como bairro da cidade”. Já as ações de caráter social pretendem conquistar a integração social, através da integração urbana.

Para a intervenção urbana as ações previstas pelo Favela-Bairro são: a execução de obras de infra-estrutura básica como implantação de redes de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem de águas pluviais e iluminação pública; a abertura de vias de acesso à malha urbana da cidade formal e a pavimentação das ruas e vielas internas existentes; a contenção de encostas; o estabelecimento do sistema de coleta de lixo e limpeza pública; o reflorestamento quando indicado; a construção de praças, áreas de lazer e espaços públicos; o reassentamento das famílias removidas em função das obras; a regularização fundiária; a delimitação da área da favela como Área de Especial Interesse Social; e a execução de uma legislação local, como zoneamento, gabaritos e afastamentos, além do reconhecimento dos logradouros existentes.

Essas ações podem ser divididas, basicamente, em três grupos. O primeiro deles diz respeito às ações referentes à infra-estrutura básica e aos serviços essenciais, nos quais podem ser inseridos: a implantação de redes de abastecimento de água, de esgotamento sanitário, de drenagem de águas pluviais e de iluminação pública, a contenção de encostas, e também, o estabelecimento do sistema de coleta de lixo e limpeza pública. Essas questões são fundamentais para a existência de condições mínimas de habitabilidade e higiene, e são previstas inclusive, no recém aprovado Estatuto da Cidade[viii], além de se mostrarem questões de grande relevância quando se trata das diferenças entre as favelas e a cidade formal, sendo esta portanto, uma questão fundamental a ser tratada quando se tem como objetivo a transformação da favela em bairro.

O segundo grupo de ações pode ser caracterizado pela introdução dos valores urbanísticos da cidade formal na favela: a abertura de vias, a pavimentação das ruas e vielas internas existentes, a construção de praças, de áreas de lazer e de espaços públicos. Essas ações tem como objetivo modificar o tecido urbano da favela, para que se torne semelhante ao da cidade formal. No entanto, os espaços públicos são quase inexistentes em uma favela, o que obriga a haver a remoção de várias habitações para sejam introduzidos os tais valores da cidade formal. O Favela-Bairro limita as relocações feitas em função do projeto de urbanização à 5% do total de domicílios de uma comunidade, um número muito pequeno quando tem-se como objetivo esse tipo de transformação, no caso das favelas em encostas essa situação é ainda pior, pois os acessos existentes são poucos e estreitos, sendo bastante difícil abrir vias e acesso carroçável sem que haja um número muito maior de relocações. Desta forma, tem-se que não é possível, diante da limitação de remoções imposta pelo Programa, possibilitar o acesso carroçável a todos os domicílios, bem como a construção de verdadeiras praças nas favelas, o que dificulta a transformação física do espaço e sua pretendida “leitura como bairro da cidade”.

O terceiro e último grupo de ações previstas, correspondente às intervenções urbanas, diz respeito às questões legais: a regularização fundiária, a delimitação da área da favela como Área de Especial Interesse Social, e a execução de uma legislação local, como zoneamento, gabaritos e afastamentos, além do reconhecimento dos logradouros existentes. Dentre essas ações, a questão fundiária é das mais importantes, já que tem como objetivo transferir o título de propriedade da terra para os seus moradores, que assim deixariam de “ocupar terreno de propriedade alheia”, deixando de ser “invasões” e “ocupações ilegais de terra”, algumas das definições dadas para as favelas. No entanto, das 119 favelas beneficiadas pelo Programa, apenas em uma delas, Fernão Cardim, foi dado o título de propriedade às famílias residentes, esse fato na verdade, reflete as dificuldades legais existentes para que seja feita a regularização fundiária, há uma enorme burocracia a ser seguida para a legalização, são muitas as exigências feitas pelos Cartório de Registro de Imóveis, e na maioria das vezes as exigências são impossíveis de serem cumpridas, causando um entrave burocrático sem solução. Talvez uma forma de diminuir os problemas encontrados para a regularização, fosse a criação de uma legislação específica e a constituição de uma Vara Especial para tratar apenas da regularização fundiária de áreas de especial interesse social.

Portanto, nos três grupos de ações que correspondem às intervenções urbanas e tem por finalidade introduzir na favela valores da cidade formal, para que possibilitem a leitura da favela como bairro da cidade, observa-se que em dois deles - o que corresponde à introdução de valores urbanístico da cidade formal na favela e o que corresponde às questões legais - as ações são limitadas, em função das dificuldades impostas pela situação de formação, desenvolvimento e crescimento das favelas, ou pela limitação do próprio Programa. Em apenas um dos grupos - o que se refere a infra-estrutura básica e aos serviços essenciais - as ações são possíveis de serem executadas em sua totalidade, contribuindo para uma melhora na qualidade de vida dos favelados.

Desta forma, não é de se estranhar o fato de que algumas favelas da cidade, como a Mangueira, o Vidigal, Vigário Geral, Jacarezinho, Alemão, Maré e Rocinha, entre outras, que embora tenham passado a ser denominados oficialmente bairros da cidade, não deixaram de ser vistas e consideradas como uma favelas, tanto pela população da cidade formal, quanto pelos próprios moradores, ou seja, a leitura feita da favela, continua a ser como favela e não como bairro da cidade como pretendia o Programa, talvez, simplesmente pelo fato de que não foram transformadas em bairro, e continuam a ser favelas mesmo.

Quanto às ações de caráter social, para que pudessem ser realizadas, foram feitas parcerias com outras secretarias da prefeitura para o desenvolvimento de ações de caráter social. Em parceria com a Secretaria Municipal de Educação (SME) foi criado o projeto “A Escola e o Favela-Bairro”, que visa incorporar ao currículo escolar conceitos que ajudem os alunos na compreensão dos novos serviços implantados, para que possam ser utilizados e mantidos corretamente.

Outra parceria feita pelo Programa foi com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) que formulou um programa para o desenvolvimento de projetos de creches com capacidade para cem crianças com idade que variam de zero a quatro anos, a serem construídas nas comunidades atendidas pelo Favela-Bairro. Entretanto, a previsão da construção dessas creches, com capacidade fixada em cem crianças, é apenas uma medida paliativa, já que como foi colocado anteriormente, o Programa atende a comunidades de porte médio, que tem de 500 a 2.500 domicílios, e a demanda por vagas em creches é muito maior. Há ainda os Cemasis (Centros Municipais de Atendimento Social Integrado), também administrados pela SMDS, que atendem a jovens, crianças, adolescentes e idosos oferecendo serviços e projetos de apoio social.

Outra ação prevista pelo Favela-Bairro é o programa de geração de renda, coordenado pela Secretaria Municipal de Trabalho (SMTb), criada em 1997 para este fim. Para a geração de renda são criadas Cooperativas populares de Produção de Bens de Serviço, mantidas pela SMTb, e cursos de aperfeiçoamento como informática, por exemplo.

Educação para a compreensão e a correta utilização dos novos espaços e serviços implantados, creches para cem crianças, Cemasis, e programa de geração de renda são importantes como instrumentos de educação e qualificação, mas estão muito distantes de promoverem a inclusão ou a integração social das favelas com cidade formal.

A inclusão social dessa população, ou a integração da favela com a cidade formal apenas será possível se o favelado puder ter acesso a melhores oportunidades de emprego, principalmente de emprego formal, e por conseqüência, de renda; a ter acesso à segurança e à polícia, o que representaria menor exposição à violência; acesso ao transporte, à justiça, à saúde, à educação, ao lazer, à cultura, e à muitas outras coisas, sem o que o favelado continuará, a “não pertencer”, a “não fazer parte” da sociedade, continuando a ser um excluído.

Embora o programa Favela-Bairro não seja capaz de promover a integração urbanística e social da favela com a cidade formal, e nem mesmo de transformar a favela em bairro, é importante lembrar no entanto, que a intervenção urbana embora não seja suficiente, é fundamental para uma possível integração. Essa intervenção deve levar em conta não apenas a implantação da infra-estrutura básica e serviços essenciais, mas também reforçar a participação política da comunidade, estimular a cultura local e incentivar as atividades econômicas criadas pelos próprios moradores.

Deve-se ressaltar também, que o programa Favela-Bairro tem sua grande importância na mudança de paradigma de intervenção em favelas, introduzindo a preocupação com a estética e com o espaço urbano e deixando de ser apenas a execução de obras de infra-estrutura. Entretanto, é preciso ter clareza de que a questão da inclusão social não se esgota na intervenção do Favela-Bairro, que embora promova a melhoria da qualidade de vida dos moradores das favelas, não é capaz de promover a integração, ou mesmo de transformar a favela em bairro, estando longe de ser um programa de inclusão ou integração social, questões que vão muito além da intervenção urbana.

Para que possa haver uma verdadeira política habitacional, deve ser levado em conta o acelerado crescimento das favelas cariocas. Segundo os dados da sinopse preliminar do Censo Demográfico de 2000, a taxa de crescimento da população municipal entre 1991 e 2000 foi de 6,88%, enquanto que a da população favelada foi de 23,85%. São números bastante expressivos, e mostram uma transferência da população antes inserida na cidade formal para as favelas.

Portanto, não basta apenas urbanizar as favelas que já existem. Uma verdadeira política de inclusão deve prevenir o crescimento das favelas existentes e o surgimento de outras comunidades, através da oferta economicamente viável para a população de baixa renda, de terra e habitação, já que como foi visto o crescimento da população favelada foi muito maior do que o crescimento da cidade de forma geral, o que demonstra uma transferência da população antes inserida na cidade formal para as favelas, resultado do empobrecimento das classes menos favorecidas. Portanto são necessárias medidas que previnam essa mudança para as favelas, caso contrário a urbanização se torna um processo de “enxugar gelo”, enquanto urbaniza-se uma favela aqui, outra cresce acolá.


Adriana Montefusco Moreira é arquiteta-urbanista formada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, e mestre em urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Notas

[i] IBGE, Censo Demográfico de 1991 e Contagem da População de 1996.
[ii] VALLADARES, Licia do Prado. Passa-se uma casa, 1978.
[iii] SMH, Cidade Inteira, 1999.
[iv] IPLANRIO, Favela-Bairro: integração de favelas no Rio de Janeiro. 1996.
[v] Idem.
[vi] SMH. CidadeInteira, 1999.
[vii] Fartamente descritos em: Programa Favela-Bairro - PROAP-RIO, Termo de Referência, 1999; SMH, CidadeInteira, 1999.
[viii] A Lei 10.257 de 10/07/2001,denominada Estatuto da Cidade, regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal.. O inciso I, do Artigo 2ª, do Estatuto da Cidade estabelece a “a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana,ao transporte e aos serviços públicos, (...)”.

VIGÁRIO GERAL DEZ ANOS DEPOIS

Foram necessárias 21 mortes de trabalhadores inocentes para que a comunidade de Vigário Geral ultrapassasse a linha do trem e se fizesse presente para a sociedade, o Estado e o mundo. Depois do dia 29 de agosto de 1993, a favela nunca mais seria a mesma tanto para os moradores quanto para a sociedade do asfalto. A crueldade das mortes marcaria para sempre aquele lugar, que mais parece um gueto cercado pela linha do trem e por Parada de Lucas.
A chacina está marcada principalmente na memória dos 13.000 habitantes que a presenciaram. Familiares, amigos e conhecidos das vítimas se recordam do acontecimento como se tivesse ocorrido há poucas semanas, mas poucos são os que ousam falar. O medo da repressão, a desconfiança do olhar e a distância para com o visitante são presenças constantes em Vigário Geral.
Valdir Baiense, morador há 33 anos da favela e um dos poucos que ainda falam do assunto, percebeu a entrada brusca dos policiais e permaneceu junto à família em casa. Só não sabia que seu filho Amarildo, de 31 anos, ainda estava a caminho de casa. “Estava na cozinha quando ouvi os passos pesados, característicos da PM. Avisei ao meu filho mais novo que não saísse de casa. Não esperava que o mais velho estivesse na rua, batendo de cara com os monstros”. Amarildo foi um dos últimos a serem mortos pelo grupo conhecido como Cavalos Corredores, formado no 9º Batalhão da Polícia Militar (Rocha Miranda), na época em que o coronel Emir Laranjeiras era o comandante responsável pela área.
No dia 30 de agosto de 1993, todo efetivo da Polícia Militar estava revoltado com a morte de quatro oficiais nas proximidades da favela de Vigário Geral. As mortes supostamente seriam resultado da ousadia dos traficantes, chefiados por Flávio Negão na época. Um grupo de cerca de 50 policiais resolveu então vingar as mortes dos colegas invadindo a comunidade e matando friamente 21 pessoas, das quais oito de uma mesma família de evangélicos. Destes, não havia nenhum envolvido com a bandidagem.
Na casa de nº 13 da rua Antônio Mendes, onde moravam os evangélicos, cujo único pecado do pai da família foi olhar na janela para ver o que estava acontecendo, tinham cinco crianças que conseguiram fugir para a casa da vizinha enquanto os criminosos decidiam os seus destinos. Morando em Bonsucesso, hoje a favela não traz nenhuma saudade e a chacina é assunto esquecido e proibido. Da casa a única coisa boa que ficou foi a transformação em um centro cultural que destinava-se a defender os direitos humanos dos moradores. E não existia nome melhor do que Casa da Paz.
Atualmente, a Casa é gerenciada pelo projeto Reciclagem e Cultura, da organização não governamental Onda Azul. Mas, vez em quando as atividades são interrompidas por falta de repasse de verbas dos patrocionadores. A instituição já ficou até dois anos fechada com a saída do Viva Rio e do seu idealizador Caio Ferraz, o sociólogo nascido e criado na comunidade.Caio Ferraz recusa-se a dar declarações sobre o assunto, mas segundo amigos ele teria deixado a comunidade após ameaças de morte feitas por pessoas envolvidas com a chacina e que estavam sendo incomodadas com as suas insistentes declarações. Com receio de uma repressão, Caio solicitou asilo político ao governo americano e lá se encontra até hoje com a sua família.
Além do projeto Reciclagem e Cultura, a comunidade de Vigário Geral conta hoje com o AfroReggae, o Mogec (Movimento Organizado de Gestão Comunitária) e a Associação de Moradores do Parque Proletário de Vigário Geral (como a favela é reconhecida em órgãos públicos). Todos estes movimentos junto à antiga administração da Casa da Paz foram fundamentais para o recuperação da comunidade por tentar mostrar aos moradores que eles tinham direitos e que estes deveriam ser respeitados.
Mas nada foi capaz de mudar a relação da comunidade com a polícia. Esta relação possui a marca expressiva do medo. A incerteza quanto ao que vai acontecer quando esta entidade governamental entra na favela é visível no olhar das pessoas. Segundo moradores, não há respeito dos policiais com a população. “Eles acham que todo mundo é bandido e acabou”, conta uma jovem que já acordou com policiais fardados dentro de sua casa sem nenhum mandato que permitisse este tipo de ação.
Com atitudes arbitrárias, a Polícia Militar do Rio de Janeiro acumula ódio das pessoas que poderiam apoiá-los caso houvesse outro tipo de tratamento. Não é a toa que bandidos como Flávio Negão são adorados e lembrados com saudosismo por moradores revoltados com a atual situação. “Ele era uma pessoa muito boa para a gente. Pena ter morrido tão cedo”, diz a mesma jovem citada acima que preferiu não se identificar.
A relação com a favela Parada de Lucas, que mais parece uma continuação de Vigário Geral, também nunca foi fácil. De facções diferentes, a primeira pertence ao Terceiro Comando e a segunda ao Comando Vermelho, as duas estão sempre travando batalhas pelo domínio da venda de drogas na região. Na época da chacina, os traficantes de Parada de Lucas chegaram a ser acusados de serem autores da chacina, mas a hipótese logo foi descartada. Além disso os dois grupos selaram uma acordo de paz e houve uma período de trégua, chegando a ser realizado um baile funk que reuniu as duas comunidades pela primeira vez. Hoje, embora as duas associações de moradores tenham relações cordiais, as duas comunidades continuam vítimas de uma guerra que parece não ter fim.
Vigário Geral também teve mudanças em sua estrutura e no espaço físico. Os 200 mil metros quadrados da época da chacina aumentaram com a chegada de novas pessoas que aproveitaram a desvalorização imobiliária com a saída de moradores temerosos de novos massacres. Algumas ruas de terra batida que fervilhavam de calor foram substituídas pelo asfalto que chegou junto com o Favela Bairro, programa (ainda inacabado) da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. O saneamento básico e o serviço de iluminação pública, precários há 10 anos, foram melhorados e a população já conta com canalização ampliada e iluminação digna. A creche Coração de Gênesi, fechada até 1993, foi reaberta e já existe outra construída, pronta para ser inaugurada.
Em contrapartida, o atraso encontrado em todas as comunidades carentes do Rio de Janeiro também está presente em Vigário Geral. Sendo uma das mais pobres favelas da cidade, a comunidade só pode contar com o Ciep Mestre Cartola, que divide com Parada de Lucas, para a educação. Embora a maioria das casas seje de alvenaria, ainda existem barracos de madeira que com uma chuva mais forte podem desmoronar. Sem falar no alto nível de violência que os moradores são obrigados a conviver.
Contudo, os moradores tem um enorme carinho pela favela. Defendem pessoas que estão sempre ajudando a comunidade, sejam autoridades políticas ou pessoas ligadas ao crime organizado, e reconhecem o progresso ocorrido após a chacina. “Mesmo com todos os problemas eu quero morar aqui até morrer. Se eu sair daqui perco a minha identidade. Quem eu serei lá fora?”, disse Luzineide, tesoureira da associação de moradores.
No próximo dia 29 de agosto será comemorado o Dia de Luta contra a Violência, projeto aprovado pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Neste dia deve ser lembrado que existem acusados que não foram julgados, acusados absolvidos e acusados que fugiram da cadeia. Deve ser lembrado ainda que os familiares das vítimas não receberam a indenização que lhes é de direito e que nada mudou em relação ao caos causado pela violência na cidade do Rio. Que este dia torne-se uma marco, assim como a chacina de Vigário Geral ocorrida há dez anos atrás se tornou.
Camilla Antunes de Souza

LIDERANÇA FEMININA NAS FAVELAS

Vem crescendo cada vez mais o número de mulheres que ocupam posições de liderança dentro de suas comunidades. Vidigal, Pavão-Pavãozinho, Indiana, Tabajara e Vigário Geral são algumas das inúmeras favelas que tem hoje à frente uma liderança feminina, seja ela presidente da associação de moradores, ou simplesmente alguém com sensibilidade e disposição para enfrentar muitas dificuldades.
Exemplo vivo de simpatia e popularidade, Bianca Regis, 33 anos, presidente da Associação de Moradores do Morro do Vidigal, exibe, com orgulho, as conquistas de sua administração. Considerada por muitos a “mãe do povo”, Bianca resolveu a questão dos garis comunitários, instalou a praça de entrada da comunidade mais duas creches em parceria com o Favela-Bairro, reformou a Vila Olímpica e estabelece parcerias com o grupo de teatro da comunidade, Nós do Morro, e com o curso profissionalizante de agentes de saúde promovido pela Universidade Gama Filho. Tudo isso após reestruturar totalmente a associação de moradores, então ainda depredada e abandonada, e se tornar a primeira líder mulher do morro.
Desempregada, entrou como secretária da associação em 1999 e só em 2000 foi eleita presidente. É formada em administração de empresas e processamento de dados e acredita que o trabalho a frente da associação lhe possibilita praticar o que aprendeu na faculdade. “Acredito na mudança. Se a gente não fizer, quem vai fazer? Adoro o que eu faço, assim a gente pode sentir a comunidade ser vista com mais respeito”, diz ela, confiante. A amiga Francisca dos Anjos, conhecida como Tia Chica, faz questão de elogiar: “Ela é maravilhosa, amiga, mãe. É séria e certa, tem um trabalho decidido”.
Mas, infelizmente, nem só de alegrias vive o Vidigal. Bianca e os moradores ainda tem de conviver com a constante falta d’água no local. Segundo ela, por ser localizado no fim da zona sul, o morro recebe a água já quase sem pressão. Sem falar que o abastecimento privilegia, antes de chegar ao Vidigal, toda a área rica do bairro de São Conrado, como o hotel cinco estrelas Sheraton, contraste gritante com a paisagem da favela que lhe é vizinha.
Outra favela que ganhou expressividade por causa da liderança comunitária foi a Indiana, no bairro da Tijuca, ao lado do Morro do Borel. Ruth Sales, de 34 anos, grande responsável por esse reconhecimento, deu continuidade ao trabalho que a mãe, Lídia Sales, fazia há anos na comunidade. Ela conta, emocionada e com enorme admiração, a disposição de Lídia para educar e organizar as pessoas que ali viviam. Através do teatro sensibilizava a comunidade e a sociedade para questões sociais sérias, como foi a peça Mãe de Pedra, sobre a chacina da Candelária, apresentada nos teatros Carlos Gomes e João Caetano. Ruth conta que, certa vez, sua mãe montou uma sala de aula dentro da pequena casa, onde alfabetizava dezenas de crianças. Lídia era, no entanto, formalmente representada pelo marido, apesar de fazer tudo e saber ler e escrever.
Após a morte da mãe, Ruth ficou um pouco desencorajada, mas a comunidade já havia criado uma referência nela e em seu potencial de liderança. Seu currículo nessa área é extenso. O primeiro trabalho foi no jornal Favelão, aos 17 anos, na Arquidiocese do Rio de Janeiro, onde fazia denúncias que desmentiam o que diziam os jornais correntes. “Falavam pra gente que tinham colocado encanamento na favela. A gente ia lá e mostrava que na verdade era só uma bica!”, diz ela. Trabalhou também como agente de Pastoral de Favelas e foi por dois anos presidente da associação de moradores da Indiana. No governo do Estado, fez parte da Secretaria de Direitos Humanos, onde trabalhava com menores infratores e hoje é voluntária do Centro de Articulação em População Marginalizada (CEAP).
Radical, ex-filiada ao PcdoB, Ruth acredita que nós devemos ter, acima de tudo, ideologias. “Se vem me pedir cesta básica, eu digo: você não precisa só disso, você precisa de consciência, de aprender a votar. Porque tem muito candidato que chega aqui em época de campanha, faz algum serviço e diz que ajudou a comunidade. Depois que ganha os votos vai embora”, conta ela, indignada.
Luzineide Souza, ou simplesmente Neide, como prefere ser chamada, é secretária e tesoureira da Associação de Moradores de Vigário Geral. Há dez anos a favela foi vítima de uma chacina na qual 21 moradores inocentes foram mortos pela polícia militar. Foi preciso chegar a esse ponto para que começassem a chover ONGs e projetos sociais para a comunidade, que ficara então mundialmente conhecida e estampada nas capas dos jornais. Neide admite que a infra-estrutura melhorou muito desde então, num trabalho conjunto entre a própria associação e as ONGs presentes na favela.
Apesar das dificuldades, Neide adora ser reconhecida pelo seu trabalho e diz que não sai da favela por nada. “Se eu sair daqui eu perco a minha identidade. Aqui as pessoas me conhecem, eu sou a Neide da Associação. Quem eu serei lá fora?”, diz ela.
Para essa parcela da população que só conhece o Estado em sua forma mais repressora, representada pelas ações arbitrárias da polícia nas favelas, a liderança comunitária torna-se a forma mais importante para sua organização social e política. A representação feminina nessa área mostra que, realmente, os tempos mudaram. Basta ver o exemplo de esforço e dedicação que estas jovens mulheres vem dando para as comunidades cariocas.
Clarissa Guarilha

domingo, 3 de junho de 2007

Acabamos de criar esse espaço de conexão entre aqueles que estão preparando o novo site da ANF - AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DAS FAVELAS.